Offline
Falta de chip faz indústria e governos rediscutirem modelos de produção
17/06/2021 19:18 em Tecnologia

 

A pandemia foi o estopim da escassez global de componentes eletrônicos, que já vinha se desenhando não só pela demanda por computadores e smartphones, mas também pelo volume crescente de dispositivos conectados - de carros a lâmpadas inteligentes. Agora, indústria e governos querem reverter os efeitos da produção terceirizada de chips, ou semicondutores, em mãos de poucos conglomerados de tecnologia na Ásia.

 

Na semana passada, os Estados Unidos aprovaram um pacote de US$ 50 bilhões em incentivos para a fabricação de chips no país. Os 22 países-membros da União Europeia também se comprometeram a unir forças para impulsionar a indústria de componentes no bloco, enquanto a China e a Coreia do Sul injetarão bilhões de dólares para fortalecer suas bases.

 

Já o Brasil segue fora do mapa da produção mais complexa das bases dos microprocessadores - o processo chamado de difusão, que é o coração da indústria de última geração. O país conta com mais de 14 fabricantes locais de componentes, que montam itens como memórias, dispositivos de armazenamento e de conectividade, mas depende da importação de placas de silício já preparadas pelo processo de difusão para a montagem. O caminho para fábricas de alta precisão parece cada vez mais longo. Duas tentativas de se produzir chips no país, a Ceitec e a Unitec, fracassaram.

 

A pandemia, que há quase um ano e meio desequilibrou a cadeia de fornecimento, volta a assombrar a produção e a distribuição de chips. Um novo surto de covid-19 detectado na província chinesa de Guangdong, no fim de maio, levou ao fechamento de fábricas e portos locais na última semana. A região abriga a cidade de Shenzen, um dos maiores polos industriais de componentes do mundo, configurando mais um revés para o setor.

 

A brasileira Positivo Tecnologia, que possui um escritório comercial e de testes de componentes em Shenzen há dez anos, informou ao Valor que os funcionários locais seguem trabalhando remotamente. Em maio, o CEO da empresa, Helio Rotenberg, disse que as operações em Shenzen e em Taipé têm sido importantes nas negociações com fornecedores durante a crise. A logística de produção do setor, centralizada em países como China, Coreia do Sul, Cingapura, Japão e Taiwan, o aumento dos custos de frete, a retomada da indústria automotiva antes do previsto, desastres naturais, acidentes como o encalhe de um navio no Canal de Suez, e a lentidão para ampliar linhas de manufatura de componentes como microprocessadores, memórias, discos de armazenamento, placas de vídeo e mesmo os chips mais simples estão nos bastidores da crise global.

 

 

Na escassez, os componentes ficam mais caros, o que ajudou o setor a elevar seu faturamento para US$ 464 bilhões em 2020, um avanço de 10,8% em relação a 2019, segundo dados da consultoria IDC. A projeção para 2021 é de crescimento de 12,5% para uma receita de US$ 522,5 bilhões.

 

 

Entre os fabricantes de computadores e smartphones, o que mais se ouve é que as vendas foram bem, “mas poderiam ter sido melhores, não fosse a escassez de componentes na pandemia.”

 

 

Ampliar uma linha de produção de componentes seria um caminho para atenuar a escassez, mas a tarefa é complexa, lenta e cara. “Uma fábrica de microprocessadores demora de dois a três anos para ficar pronta”, diz Reinaldo Sakis, gerente de pesquisas de dispositivos de consumo da IDC Brasil.

 

 

O investimento básico em uma nova linha de produção, segundo especialistas, é de US$ 10 bilhões. “Não é só fazer um puxadinho", diz Samir Vani, gerente geral da MediaTek uma das maiores fabricantes globais de componentes de conectividade para celulares, TVs, roteadores, consoles de games entre outros produtos. “O mercado funciona como um transatlântico. “Não é uma rota simples de alterar”, diz o executivo.

 

 

Assim como outros fabricantes, a MediaTek faz o desenho de seus componentes e a produção é feita por outras empresas na Ásia. Uma delas é a gigante Taiwan Semiconductor Manufacturing (TSMC), maior fabricante terceirizada do mercado, que também atende empresas como Apple, Intel, AMD, Qualcomm e NVidia.

 

 

“A demanda atual de semicondutores em toda a indústria vem tanto do aumento estrutural nos pedidos de longo prazo quanto dos desequilíbrios de curto prazo na cadeia de suprimentos”, infiormou a TSMC ao Valor, por e-mail.

 

 

Segundo a empresa, o aumento da necessidade de semicondutores já previsto com a chegada das redes móveis 5G e de computadores de alta capacidade nos próximos anos foi sobrecarregado pela demanda de curto prazo de computadores e a interrupção de fábricas no início da pandemia. “Será necessária capacidade de produção adicional para aliviar o desequilíbrio de fornecimento e leva tempo para expandir os locais existentes ou para construir uma fábrica nova”, afirmou a empresa.

 

 

Em abril, a TSMC anunciou um investimento de US$ 100 bilhões em aumento da capacidade produtiva e em pesquisa e desenvolvimento (P&D) nos próximos três anos. Isso inclui o desembarque nos Estados Unidos com um investimento de US$ 12 bilhões em uma fábrica no Arizona, vizinha à Intel, em 2024.

 

 

Retomar uma linha de produção de chips interrompida não é uma manobra rápida. “Fábricas de semicondutores interrompidas podem levar dias e até semanas para retomar a produção, devido aos fornos e gases usados na difusão para a formação de transistores semicondutores, e o produto interrompido não pode ser reaproveitado”, explica Rogério Nunes, diretor-presidente da fabricante multinacional de componentes Smart Modular Technologies no Brasil.

 

 

O processo de difusão, o mais complexo e oneroso da cadeia de semidondutores, é justamente o que o Brasil não tem.

 

Além dos fornos no processo na cadeia produtiva, que demora até alcançar a temperatura ideal, a água é um elemento fundamental na produção de componentes. “Em certas etapas do processo, a água flui constantemente sobre uma placa de silício cortada a laser para evitar a elevação de temperatura, que pode danificar totalmente o material”, diz Nunes.

 

 

O abastecimento de água é outro problema para a TSMC. Taiwan sofre a maior seca em 56 anos, com seus reservatórios chegando a 10% da capacidade. Recentemente, a empresa informou que a seca não afetará a produção já que investiu em tanques extras de água.

 

 

O setor já passou por nevascas, no início do ano, que interromperam a produção de semicondutores no Texas (EUA), afetando também o fornecimento para o setor automotivo, e por um incêndio, em março, na unidade de produção de substratos - finas camadas de silício essenciais na produção de chips - da Renesas Electronics no Japão, principal fornecedora global do segmento.

 

 

Ambos os incidentes levaram o setor automotivo a entrar em estado de alerta. Após uma fase de fechamento de fábricas e queda nas vendas no primeiro semestre, o mercado, que tinha previsão de retomada no fim do ano, se reergueu mais cedo, em setembro, quando a produção de componentes já estava comprometida. O problema na cadeia chegou ao Brasil, levando a Volkswagen a anunciar, na semana passada, a paralisação de três fábricas locais, por dez dias.

 

 

A quebra no fornecimento regular de componentes coloca em xeque o sistema de manufatura sem estoques, que tem guiado as montadoras de veículos há mais de 60 anos (ver mais em Chip põe em xeque sistema de produção de veículos).

 

 

A impacto da falta de semicondutores afeta também os fabricantes de veículos agrícolas e dispositivos de segurança. Em maio, o CEO da catarinense Intelbras, Altair Silvestri, informou que os estoques de equipamentos de redes e segurança ficaram desbalanceados por conta da falta de componentes. “A expectativa é de melhora no abastecimento de microprocessadores no terceiro trimestre”, afirmou.

 

 

Do lado dos fabricantes de eletroeletrônicos, não são somente os microprocessadores que estão em falta. Em entrevista recentes ao Valor, Rotenberg, da Positivo, destacou a falta de telas de LCD no mercado, que têm sido disputadas com os fabricantes de TVs.

 

 

Além da escassez, os fabricantes lidam com os aumentos de preços, que são repassados aos varejistas e consumidores. “A crise gerou um aumento de 30% a 40% em custo de telas e processadores”, informa Sakis, da IDC.

 

 

A falta de componentes simples, como um controlador de som de um notebook, também prejudica a produção. “Às vezes uma peça de um dólar atrapalha a produção de um notebook inteiro”, comenta Sergio Santos, gerente geral da AMD no Brasil.

 

 

O desequilíbrio na cadeia tem feito os fornecedores de componenentes pedirem calma e planejamento aos clientes. “Procuramos segurar a ansiedade de muitos fabricantes que procuram pedir mais do que de costume na crise”, diz Vani, da MediaTek.

 

 

 

 

Fonte: valor.globo.com

 

COMENTÁRIOS